Ela já foi jornalista da revista pais e filhos, onde escreveu uma matéria sobre síndrome de down pela qual foi premiada, e hoje é uma das maiores especialistas brasileiras em inclusão.
Mãe de Diego e Talita, jornalista e escritora, ela é uma das maiores especialistas brasileiras em inclusão. Claudia começou a trabalhar com o tema em 1992, quando foi visitar o filho de uma conhecida e soube que ele tinha Síndrome de Down. Jornalista da Pais e Filhos na época, ela se surpreendeu com o próprio desconhecimento. A partir da experiência, não parou mais de pesquisar. Fundadora da Escola de Gente, afirma que inclusão significa entender a diversidade como um valor inquestionável e garantir o exercício dos direitos humanos para pessoas com e sem deficiência desde a infância. No `todos´ dela, cabe todo mundo mesmo. E no seu?
Por que decidiu trabalhar com inclusão?
Em 1991, eu era chefe de reportagem da Pais e Filhos. Um dia, o meu filho mais velho, Diego, na época com 7 anos, me pediu para ir visitar o irmãozinho recém-nascido de um colega seu da escola. Hesitei, porque não conhecia a família, mas Diego insistiu. Eu comprei uma lembrancinha, telefonei marcando a visita e fui. Chegando lá, ao me debruçar para conhecer o pequenino Artur, dormindo no berço, ela me disse: “Você viu? Ele nasceu com Síndrome de Down”. Ao saber que eu era jornalista, a mãe, Maria Helena, me pediu ajuda para saber quem era aquele filho que havia chegado. Andaria? Casaria? Aprenderia a ler? Informações sobre Síndrome de Down eram raras. Prometi ajudá-la. Naquela noite, não dormi, perplexa e envergonhada com o meu despreparo para lidar com o assunto. O fato é que o pedido reacendeu meu ideal de infância, quando já compartilhava com o meu pai, historiador, o desejo de ser jornalista para disseminar uma causa. Mas, até então, nenhuma causa havia realmente me mobilizado.
E você escreveu uma reportagem para a Pais e Filhos sobre o tema?
Sim, com essa matéria, publicada em agosto de 1992, ganhei menção honrosa no I Prêmio Associação Médica Brasileira de Jornalismo sobre Saúde, da Associação Médica Brasileira. Mas antes mesmo do prêmio, e cada vez mais impressionada com o que estava descobrindo sobre o que é viver neste planeta com uma deficiência intelectual, decidi escrever um livro, Muito Prazer, Eu Existo, lançado no mesmo ano, e que se tornou o primeiro livro sobre Síndrome de Down para leigos no Brasil. O meu objetivo, com esse livro, era reapresentar pessoas nascidas com Síndrome de Down à sociedade. Por conta dele, recebi mais de 3.000 cartas e centenas de telefonemas. Passei a dar palestras pelo Brasil e em outros países.
Sua família a apoiou?
Contei com o apoio incondicional da minha família: mãe, pai, filhos(as) e marido. A postura do Albertinho foi decisiva para que eu superasse os obstáculos, porque, mesmo o livro tendo sido um sucesso, eu me sentia excluída e era criticada, pois, para o senso comum, era estranho ver uma jornalista especializada em Síndrome de Down, deficiência, inclusão... Era como se essa especialidade, ao contrário de gastronomia, política ou futebol, não tivesse qualquer sentido ou importância... Para os meus amigos jornalistas, eu deixara de ser jornalista. Para os médicos e educadores, era uma intrusa. Para os profissionais da literatura, eu não fazia literatura. Entendi: quando se defende um assunto sobre o qual o nível de exclusão é muito grande, vivemos a exclusão do que defendemos.
Como foi escrever para crianças?
Foi ainda mais difícil quando decidi escrever sobre Síndrome de Down para crianças, em 1994, criando os primeiros livros infantis da literatura brasileira com personagens humanos com deficiência. Esses livros passaram a ser retirados de concursos literários sob a alegação de que o tema deficiência não era universal, de interesse para a formação de crianças e adolescentes. Mais conflito. Assim, de vários modos, fui aprendendo sobre a solidão e as necessidades de algumas populações, principalmente de pessoas com deficiência de populações de baixa renda. E pude testar os limites da profissão. Finalmente eu exercia o jornalismo com o qual sonhara desde a infância.
E quando você criou a Escola de Gente?
Em 2002, criei, com outros ativistas e especialistas em inclusão, a organização da sociedade civil Escola de Gente – Comunicação em Inclusão. A partir da Síndrome de Down, dei início ao maior processo de reinvenção da minha vida, pesquisando interfaces do tema inclusão, deficiência e diversidade com os direitos humanos, a juventude, a literatura, o controle social, os orçamentos públicos, a democracia, a educação, a legislação...
Fale um pouco sobre o trabalho de vocês.
Temos projetos que envolvem a formação de jovens Oficineiros da Inclusão, de artistas como o grupo Os Inclusos e os Sisos – Teatro de Mobilização pela Diversidade, de especialistas em políticas de comunicação, cultura, juventude, educação, sempre na perspectiva da acessibilidade, da deficiência e da inclusão. De 2003 a 2009, sensibilizamos mais de 115 mil pessoas diretamente em 13 países da América, Europa e África por meio de programas de rádio, publicação de livros, CDs, vídeos, palestras, oficinas, apresentações de teatro e outras atividades, muitas realizadas dentro de escolas públicas. Somos especialistas em acessibilidade na comunicação e nossos livros, espetáculos teatrais e vídeos têm intérprete de Libras, audiodescrição e legenda. Para quê? Para garantir o direito à participação de pessoas analfabetas, com sequelas de AVC, dislexia, deficiências intelectual, sensorial, física ou motora, entre outras situações. Não adianta apenas tratar com educação, respeito, amor e carinho. É preciso dar condições de participar.
Hoje o preconceito contra as crianças com necessidades especiais é menor?
“Necessidades especiais” não é sinônimo de “deficiência”. São dois conjuntos diferentes, que algumas vezes conversam, outras não. Essas interfaces existem dependendo do tipo de limitação que cada pessoa tem, se é temporária ou não, e, principalmente, do grau de acessibilidade e de possibilidades ofertadas pela sociedade, a escola, a família, enfim, para que esta pessoa possa exercer seus desejos, sua autonomia e seus direitos. Um ser humano pode ter necessidades especiais e não ser alguém com deficiência. A pergunta é importante, porque nos dá chance de dizer que não há por que termos “constrangimento” em usar a palavra deficiência. Parte desse pudor, eu creio, vem do fato de imaginarmos que deficiência seja o contrário de eficiência, mas não é. O contrário de eficiência é ineficiência. A deficiência é uma condição humana, natural, da vida, da espécie Homo sapiens, a nossa!
E o preconceito, diminuiu ou não?
Sobre o preconceito, acho que, aparentemente, diminuiu; mas a visibilidade do tema hoje, na mídia, a forma como já circula em determinados espaços do cotidiano – mesmo reproduzindo conceitos do passado –, acaba interferindo bastante na percepção do que realmente se passa no íntimo de cada pessoa. O preconceito diminuiu ou já não se tem mais coragem de admitir certos pensamentos em público, apenas por uma decisão politicamente correta? O fato de a imprensa abrir espaço não significa que o preconceito tenha diminuído. As matérias sobre educação reproduzem a mais antiga das pautas, a de “ouvir os dois lados”, entre quem é a favor da escola especial e quem é a favor da escola regular. Essa pauta contraria as políticas educacionais brasileiras e, no entanto, parece atualíssima, porque combina com o que a sociedade gosta de ler. São abordagens que acalentam o coração de quem não quer mesmo contribuir para que o Brasil melhore a qualidade de sua educação pública.
E como conseguir isso de fato?
Todas as crianças devem estar juntas, na mesma escola, na mesma sala de aula, com colegas de idade similar. Escola que deve oferecer recursos para atender a suas necessidades específicas: estudantes com altas habilidades, doença renal, dislexia, com hiperatividade, surdez, depressão, enfim, qualquer criança. Recebo e-mails de famílias com filhos e filhas com deficiência, que contam como suas crianças e adolescentes foram impedidos de entrar nas escolas regulares perto de suas casas. O perigoso é que essa negação passou a ser feita de forma mais sutil, a ponto de, muitas vezes, ser difícil denunciá-la. Não sei no que avançamos mais: no combate ao preconceito ou na arte de disfarçar nosso ímpeto de negar alguns direitos a pessoas com deficiência.
Para você, o que seria uma escola realmente inclusiva?
Vou usar a definição do meu livro Sociedade Inclusiva. Quem Cabe no Seu TODOS? Escola inclusiva é o lugar onde as gerações se encontram, se entendem e se reconhecem como parte de um TODO humano, social e indivisível, no qual desenvolvem, juntas, a técnica, a intuição, a flexibilidade e a arte de formar e de testar, entre si, modos de atuação conjunta indispensáveis para o futuro da nação. Nesta proposta de escola, as dificuldades e as limitações de cada estudante (reais, temporárias ou não) funcionariam como um estímulo para o enfrentamento dos desafios da vida comunitária, que seguramente transcendem os limites do ensino que as salas de aula hoje oferecem a seus alunos e alunas. A escola inclusiva é a escola que é percebida como um bem público, porque não admite qualquer tipo de discriminação.
Como você avalia a legislação brasileira sobre a educação inclusiva?
O Brasil tem uma política educacional claramente inclusiva, mas ainda é custoso implementá-la, porque a expressão “escola inclusiva” tem sido usada de forma muito leviana. Para quem não acredita na escola inclusiva como a única capaz de formar cidadãos conscientes e aptos a lidar com a diversidade, qualquer diversidade, sem compará-la ou julgá-la, não há lei que dê conta. Muitos gestores e professores falam de diversidade, mas, no fundo, há um acordo implícito entre a escola e grande parte dessas famílias: falam de diversidade, mas não de estudantes com alguns tipos de deficiência. Escolher a diversidade da infância, hierarquizar diferenças, ordenar o que jamais poderá e deverá ser ordenado – as infinitas formas da humanidade existir –, comparar crianças atribuindo-lhes valores e títulos, nada disso é inclusão. E, sim, violação de direitos humanos.
Você diferencia integração e inclusão. Qual a diferença?
Certamente. Integração é o processo que, lamentavelmente, ainda vivemos hoje, no qual as pessoas que se consideram em vantagem por qualquer razão (sem deficiência, por exemplo) decidem quando, como e em que percentual pessoas que lhes parecem em desvantagem (pessoas com deficiência, por exemplo) devem ter acesso e participar dos processos universais e gerais, como a escola, o trabalho, uma reunião no sindicato, uma peça de teatro... Na inclusão, entendemos que todo o sistema está inadequado (como a escola brasileira...) e que é preciso revê-lo para que consiga se sustentar e se tornar útil a todas as pessoas e a todos os sistemas. Incluir não é, portanto, colocar para dentro quem está fora, porque aí partiríamos do princípio de que “dentro” está ótimo – e não está.
Muitos setores criticaram a decisão de considerar que a escola especial ainda pode ser necessária em alguns casos. Na sua opinião, precisa acabar com a escola especial ou ela pode ser útil em alguma circunstância?
Estamos em 2010 e tudo no mundo vem sendo resignificado em uma velocidade absurda, felizmente, também no que se refere à educação especial. A Constituição brasileira define que crianças com deficiência são sujeito de todo e qualquer direito, como o acesso à educação básica na escola regular. Além disso, outros decretos e leis foram assinados no Brasil nos últimos anos e deram ainda mais luz a esse princípio, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, primeiro tratado de direitos humanos a ter valor constitucional no país. Nesse contexto, as escolas especiais têm uma função bem definida: não substituem a escola comum, mas, sim, prestam o atendimento educacional especializado, complementar à escolaridade, a alunos e alunas que estejam em escolas comuns. Uma criança que estude apenas em uma escola especial está fora da escola pela legislação brasileira.
As escolas regulares estão preparadas para receber as crianças com necessidades especiais?
Dizer que as escolas não estão preparadas é verdade, porque não estão preparadas para a maioria das crianças, incluindo as sem deficiência. Mas é um risco pensar assim. A frase é inspirada numa falsa crença, que nos garante ser possível esperar um pouco mais para que crianças com deficiência vivam com dignidade neste país. Que dor! Ouço essa mesma frase desde 1992. Ela distorce a realidade e nos impressiona e mobiliza apenas porque é conhecida, e tudo que a nossa mente e o nosso coração já conhecem se torna altamente confortável quando ouvido ou lido novamente. Essa frase nos faz desperdiçar tempo e energia. Tempo de crianças que estão sem acesso à escola, sem o direito de serem percebidas pela sua geração como parte legítima dela. Não se faz inclusão no abstrato, apenas no concreto, no dia a dia, com a presença de todas as diferenças no ambiente real.
Tem parentes crianças com necessidades especiais, alguma história familiar nesse sentido?
Tenho um sobrinho, o Iuri, filho do meu irmão, e também meu afilhado, que tem uma síndrome genética raríssima. Iuri nasceu cinco anos após eu ter começado a me interessar pelo tema Síndrome de Down e deficiência em geral, quando já havia escrito cinco livros. É significativo ter uma pessoa com deficiência na família, muda a consciência do que se vive, do que se pensa... Mas talvez porque o meu interesse pelo tema não tenha se iniciado por razões pessoais, ele continue sendo pautado no ativismo social. O meu sobrinho e afilhado Iuri é mais uma criança sem acesso a direitos em nosso país.
Algumas escolas começam a ensinar linguagem de sinais ou alfabeto braile para as crianças, mesmo que não haja alunos com necessidades especiais na sala. Essas iniciativas são positivas?
A terminologia correta é Língua de Sinais Brasileira, a Libras. Sobre essa iniciativa, ela é importante, mas sempre que contextualizada no universo da verdadeira inclusão, o que envolve analisar ação e intenção. Inicialmente, eu questionaria a ausência de estudantes cegos e surdos na escola. Não parece contraditória a iniciativa das escolas com a ausência desses estudantes? Será que nunca foram procuradas por famílias de crianças com deficiência? Por que as escolas tomaram a decisão de oferecer braile e Libras? De que forma esse aprendizado é oferecido? Com que frequência? No turno? No contraturno? São inúmeras as perguntas que eu teria de fazer antes de responder a essa pergunta. Um dos meus livros se chama Ninguém Mais Vai Ser Bonzinho, na Sociedade Inclusiva, foi escrito em 1997, e justamente se refere ao cuidado que devemos ter para não nos deixarmos emocionar por ações que parecem inclusivas, mas podem ser nada inclusivas.
Você acrescentaria algum direito à Declaração dos Direitos da Infância?
Sim, acrescentaria: toda criança tem o direito de conhecer a humanidade como ela realmente é, e não como os adultos gostariam que fosse.
Fonte: Revista Pais & Filhos
www.revistapaisefilhos.com.br
Enviado por: Blog da Audiodescrição http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/
Por Larissa Purvinni, mãe de Carol, Duda e Babi
Fonte:
Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul - FADERS
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