Eduardo Marini, do R7
A professora Débora Seabra, de 33 anos, no lançamento de seu livro de fábulas no ano passado. Arquivo Pessoal |
Margarida Araújo Seabra de Moura, 72 anos, advogada e procuradora aposentada do Ministério Publico do Rio Grande do Norte, pensa há décadas de forma radicalmente diferente. Mas preparem-se: a declaração abaixo é tão corajosa quanto dura:
— Quando ela nasceu, 33 anos atrás, não passava pela minha cabeça esse negócio de atribuir a sua chegada, do jeito que ela era, a uma missão divina, do destino ou algo do tipo, que eu deveria aceitar com resignação, alegria, bênção de Deus. Não. Nada disso. Antes, muito ao contrário: eu era completamente revoltada com a situação, não aceitava de maneira alguma ter sido uma das “escolhidas” e admito: queria mesmo é que ela ficasse por lá, no hospital, e não viesse nunca mais para minha casa. Desejava, enfim, a sua morte. Queria que ela morresse.
“Ela” é Débora Araújo Seabra de Moura, 33 anos, filha de Margarida com o psiquiatra José Robério Seabra de Moura, e irmã um ano mais nova do advogado Frederico Seabra.
Autora de um livro de “fábulas inclusivas” infantis com texto de apresentação de João Ubaldo Ribeiro, atriz amadora formada em teatro, afilhada do humorista Henrique de Souza Filho, o Henfil, militante cultural e ativista dos direitos de doentes especiais, Débora também carrega outro título digno de glórias: o de primeira professora do Brasil com síndrome de Down.
Formada em Magistério em nível médio na Escola Estadual Professor Luis Antônio, em Natal, com estágio na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Débora trabalha há dez anos como professora assistente em turmas de educação infantil e primeiro ano do Ensino Fundamental da Escola Doméstica, instituição particular de Natal (RN).
São conquistas impulsionadas em grande parte pela força incomum da mãe Margarida, que usou a mesma potência das declarações corajosas para dar nova dimensão à vida da filha caçula após aceitá-la e decidir amá-la do jeito que a vida a colocou entre os demais.
Em 1981, ano de nascimento de Débora (no dia 15 de julho), pouco se sabia no Brasil, no Rio Grande do Norte e em Natal sobre a trissomia do cromossomo 21, ou síndrome de Down, alteração genética causada por um erro na divisão celular no início da fase de embrião. Isso causa várias alterações.
Algumas delas: olhos oblíquos, puxados, à lembrança dos orientais; rosto arredondado, mãos menores, com dedos curtos, prega única na palma da mão; orelhas em tamanho reduzido; hipotonia (diminuição da potência, da força e do tônus do músculo), dificuldade na articulação motora, atraso na construção da fala e, em metade dos casos, problemas cardíacos.
Há também comprometimento intelectual e, como consequência dele, aprendizagem mais lenta do que a média. Na época, a síndrome era chamada, em claro tom pejorativo, de mongolismo - e suas vítimas, de “mongoloides”.
"Mongóis são habitantes da Mongólia"
Débora diz nunca ter sofrido preconceito durante o curso normal e também nesses dez anos de trabalho na Escola Doméstica. Mas sua condição foi lembrada com ares condenáveis em pelo menos duas ocasiões durante o Ensino Fundamental, cursado em uma escola privada de Natal. A professora lembra:
— Uma vez um amigo virou para mim e gritou: 'mongoool'. Assim, com toda força e raiva, sabe? Mas a professora foi muito legal: no dia seguinte, deu uma aula explicando que mongóis são habitantes da Mongólia e ainda ensinou a todos o que é síndrome de Down. Ela fez da atitude ruim uma oportunidade para construiu uma coisa muito útil e legal.
Na outra vez, ela e uma colega com a síndrome formaram um grupo para jogar vôlei no intervalo das aulas. Débora ficou de fora na primeira formação das duas equipes. A amiga começou jogando. Ao pedir para entrar, ouviu de uma das participantes: “Não: com Down, aqui, já basta uma”. Débora não perdeu tempo:
— No dia seguinte, dei a ela de presente um cartaz onde se lia: preconceito é crime. Aí disse: “tome cuidado com o que diz ou faz porque assim corre sério risco de ser presa. Leia aí: preconceito dá cadeia”. Ela ficou espantada e nunca mais repetiu a agressão.
Margarida, a mãe de Débora, seu marido José Robério, e mais 15 casais com filhos Down fundaram a Associação síndrome de Down em 1983. Com dois anos na ocasião, a filha caçula foi a “musa inspiradora” da causa. Ela jamais estudou nas chamadas escolas especiais, consideradas pelo casal “verdadeiros templos da exclusão e do trabalho preconceituoso e ilegal com essas pessoas”.
Para eles, a única forma de incluir e manter a saúde mental e social da pessoa com a síndrome é incluí-la em todos os módulos usados pela sociedade, inclusive as escolas e universidades.
fonte: R7, disponível clicando aqui
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